1.
Naquela manhã o céu nublado despertava-me em freios. Com um frio de enferrujar até alumínio, meu quadro dormia de saco térmico, casaco e meias sintéticas. Em vida de duas rodas o tempo tem vinte e uma marchas. Pra pedalar, nada como acordar com o Bom Dia do sol desvirginando a pele. Nada como o roçar dos raios solares arranhando a derme, fazendo-nos sentir acariciados por uma buceta recém-raspada.
Dois disparos de sirene, alarme de segurança desativado, ferrolho em ação. A porta do quarto transpira o ranger da liberdade. Saída liberada. Sala-de-estar do andar superior, outra grade. Onde está essa bendita chave? No lugar de sempre. Abro. Embora frio, vou ao cômodo inferior da casa já menos casaco que de costume, mas ainda estou meias... Economizando o som dos passos sobre os degraus de madeira, desço as escadas em conta gotas. Não acordo cidadão, polícia ou ladrão. Chego a geladeira do leite integral.
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2.
Minha carência passou a manhã lendo bula de livros. Na imensa livraria fiquei até o estômago me lembrar do meio dia. Mas não almocei. Fui ao bar tomar uma cerveja pra ficar pensando mais melhor de bom. O Heavy Metal ambientava o som daquele espaço preto. Assim, lembrei do rei do axé convertido a Iron Maiden, Luiz Caldas. Como também lembrei que não tinha
cash, apenas
card. Tive que beber outras cervejas para completar os 50 dinheiros da máquina. Para esperar os goles, me esforcei a lembrar do sonho da noite passada.
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3.
Corria atrás de você. Queria amor e sexo. Você, não. Você queria ser estrupada, sentir minha raiva, absorver todo o crime de um ato ilegal. Já ciente de que não seria alcançada nem tão breve, você caminhava tranquila sem olhar pra trás.
Aquele sentimento de brincadeira de pega-pega em nenhum momento me alcançou. Eu te alcancei com raiva rasgante e direta verdade. Assim, te desconcertei de uma só vez de todas as suas vestis inferiores. A todo momento sentia a senhorita buscando em mim o próprio medo. Você queria mordidas, tapas... ter a alma roubada. Desejava eu ter você sem você parecer nos querer. Você queria fantasia, se deixar comer em sado filme porno
a la carte.
Fiz como queria. Rodei o antebraço, enrolei seus longos cabelos em minhas mãos e a puxei sem dó. Assim você caiu da estante da locadora. Safada e fria, caira já engolindo meu pau calada. Nunca deixara de olhar nos meus olhos, sem lágrimas. Dirigiu seu próprio estupro em silêncio. Sem gemidos. Em nenhum momento fez papel de que queria ser amada. Sem gozo, não havia tempero, molho ou sabor na ação. Sem lubrificação, sua cavidade era fogo, a seca combustão da vontade.
Mesmo nos lugares mais afastados, parques, ônibus vazios, uma multidão de pessoas sempre nos alcançava e tomava nossos espaços de olhos. Eu tímido, parava. Você, mesmo sabendo daquele mar de gente, continuava, sempre buscando me provocar a vergonha, para ter o prazer de conceber mais e mais do meu NÃO. Já certo do próximo encontro e do próximo local, você me largava e partia andando ainda nua. Por não me passar igualmente por nu, sempre atrasava o ritmo da tua ação. Perdia você por inúmeras vezes.
Cheirava o meu corpo e te achava no faro. Te reencontrava já me esperando aberta, plena, fumaçando tabaco de rolo, vestida de Alice no País das Maravilhas. E era só repetir o ato, enforcar a cabeça do meu pau no seu rabo, e todos os poros do lugar nos transpiravam olhos. No parque uma multidão de intelectuais drummondianos; já no ônibus, uma louca torcida sulafricana cantando, dançando e vuvuzelando pelo nosso gozo. Por alguns segundos até tentava esquecer, mas logo travava novamente a trepada. Automática, você não reagia a nada, calada, saía nua mais uma vez em direção ao próximo palco e apresentação. Enferrujado por roupas, caía no chão ao tentar romper minha inércia com a cintura da calça ainda na canela.
Cansei. Parei de escrever para fumar um cigarro, olhei para o barulho dos universitários que já enchiam o bar. Notei que quase todos me olhavam em diagonal. Me senti nu, trepando com você em cima do laptop. Travei. Lembrei que tinha fome, ansiedade de comer. Pedi a conta. Passei o cartão sem despedidas.
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4.
Essa noite sonhei que deixei uma panela d'água fervendo no Brasil. Não esqueci no fogo. Nada queimou. Ainda está evaporarando seus excessos, integrando-se ao ciclo da natureza. Solidificando-nos.
Quero chupar ossos e comer carne de sonhos? Sim. Comer gente que gosta de colocar o dedo na boca e de se sujar comendo sempre fez bem. Como também faz bem lavar as mãos quando se chega do mundo, faz bem deixar todas as irrelevantes sujeiras para trás. Facilita na redescoberta do velho tempero e na degustação do arroz-com-feijão.
Comamos antes sem alho e óleo, apenas com olhos. Lambamos o fundo da panela como entrada, e esperemos o prato principal já satisfeitos, sem fome de tudo. Guardemo-nos como troco de bala de café jogado em bolso... Para chupar depois, também A SÓS, sem digestões desgastantes, sem banzos, sem maiores pesos na barriga.